terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Diálogo monologado


Trago comigo todos os sentidos do mundo. Sofro em demasia. Sinto tudo de todos os modos. Tenho um dom que me enaltece e me difere dos demais, mas de nada me adianta se não mais do que calar todos os gritos que estão na ponta da garganta, o que acumula e acumula e me sufoca. Tento fugir, mas já não há nenhuma saída se não por meio delas, as palavras, tão opressoras, tão libertárias, as que ferem sem arranhar.

Saiam logo sem demora! Saiam já! Vamos deixem-me dormir, eu preciso dormir! Aqui estão as manchas negras nesse papel, em branco, que a primeira vista parece inóspito, mas que consegue comportar bem mais de que infinitas possibilidades.

E essa insônia.

E esses versos.

E tudo aquilo que eu calei e guardei lembrando um papel e que agora por timidez, quem sabe, não se revelam.

Vamos façam um esforço é o mínimo que devem fazer por todos os devaneios e inquietações que me causam...

Está bem, eu desisto... irei, a partir de agora, ignorá-las e está dito, ou melhor, não há nada dito de concreto, apenas um quase dito, pré-dito, um dito sem que dissesse absolutamente nada!

Está vendo vocês me confundem toda... já não irei mais obedecê-las, irei já pois meu chá a muito esfria.

ADEUS!

Mais um pôr do sol


Há mais coisas entre o céu e o mar do que supunha a nossa vã filosofia... sonhos que existiram somente para serem sonhados, sorrisos que ficaram ali eternizados, acordes que ecoaram breves e agudos, a fúria e a calmaria de um mar, o alaranjado infinitamente azul do céu, histórias distintas, diversas, compartilhas e partilhas, que foram cruzadas, que se entrelaçaram para aproveitar o há de melhor na juventude: a espontaneidade! Olhares que provocam risos, risos que atraem olhares. A vida que pulsa sem qualquer pressa de chegar, sem saber nem ao menos aonde chegar, e que se alimenta de amor, dor, música, poesia e umas boas gargalhadas.

Paz. Ficar em paz, estar em paz, com a alma tão imensa ao ponto de não suportar mais o limite do corpo e esta fulgir lhe pelos olhos, provocando um brilho tão intenso, uma radiação de alegria tão contagiante, que não é possível delimitar nem unindo todos os léxicos existentes para as melhores descrições.

Esquecer do tempo ao seguir o vento. Enxergar o banal com olhos de criança, ávidos e descrentes. Reafirmar os votos de um credo e de uma tradição. Ter nas mãos, mesmo que por instantes, tesouros antigos, raros, encapados com couro, tendo letras douradas e folhas amareladas e com uma capacidade de folho-transporte tão impressionante, a qual te tira facilmente da realidade e te leva para uma irrealidade confortável.

Quanto cabe numa tarde de novembro? Ah, bem mais do que num ano inteiro!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Entre furos e cordas


Ele, uma doce flauta.

Ela, um violão esgarçado.


Ele conhecia perfeitamente os seus umbigos

Ela sabia do vibrar dos seus cabelos, mas não os reconhecia


Ele sorria leve e grande

Ela suspirava tristonha e pesadamente


Ele agradava a todos

Ela desagradava à maioria


Ele tinha notas suaves e alegres

Ela possuía composições de ferir tímpano e coração


Ele era aclamado em concertos

Ela era difamada nos consertos


Ele, por um tombo, entortou

Ela já nascera desalinhada


Ele a viu e sorriu

Ela baixou o tom e a guarda


Ele aproximou-se sem demora

Ela fingiu não ver, mas deu bola


Ele se fez nota

Ela seguiu a rota


Ele compôs

Ela se impôs


Eles criaram belos acordes

Filhos e netos fortes


E ecoaram no universo

Assim como nesses versos!